A livraria mais carioca do mundo

Já que ontem falamos do guia do carnaval que se encontra nas melhores livrarias da cidade, este é um momento oportuno para republicar este texto, dos tempos do blog Direto do Rio.

Sabe a Folha Seca? Não, não estou me referindo à célebre jogada de Didi, o chute que subia às alturas antes de descair invariavelmente no ângulo, surpreendendo os goleiros mundo afora, conforme os relatos dos mais antigos (aliás, foi numa folha seca o primeiro gol do Maracanã, em 1950). Não falo do disparo mortal do meia do Botafogo. Refiro-me à Livraria Folha Seca, cujo nome, aí, sim, é uma homenagem à jogada, por sua vez um emblema do futebol carioca.
O nome da livraria homenageia o Rio através do futebol. Podia se chamar Bossa Nova ou Sapucaí, mas seriam nomes mais óbvios, talvez. Folha Seca foi uma grande jogada dos donos. Um grande nome. Surpreende. É preciso alguma perspicácia para percebê-lo. É preciso conhecer um pouco do Rio. É preciso perceber qual é a do lugar.
A livraria, na Rua do Ouvidor, pra lá da Primeiro de Março, no quarteirão tomado pelos botecos que hoje fervilham na happy hour, é uma ode ao Rio de Janeiro, tema das publicações. Há livros sobre futebol, como sugere o nome. Mas também de samba, carnaval, biografias de personalidades ilustres, gastronomia, guias de bares, contos e crônicas sobre a cidade, poesias… Tem Zico, Vinícius de Morais, Madureira, Corcovado, Chico Buarque, Cartola, Mangueira, Noel Rosa, Jardim Botânico, Portela, Garrincha, Ipanema, Maracanã, Moacyr Luz… Tudo junto. Dá vontade de ler tudo. O acervo é uma mistura que é a própria síntese do Rio de Janeiro. Há ainda, claro, muitos livros de arte com fotos, aliás, uma das especialidades daquelas estantes recheadas de títulos bacanas. Sugiro um passeio aos que, como eu, apreciam as boas coisas do Rio.
Na hora do almoço, entrar ali é a minha sobremesa preferida. Adoro fazer a digestão saboreando as páginas que reverenciam a minha cidade. E são tantas páginas…
Hoje, depois de saborear uma língua com purê de batatas no Penafiel, restaurante tradicional que vai fechar as portas no fim do ano, passei lá.
E encontrei uma delícia de livro. Trata-se da Antologia da Lapa, compilação de escritos de bambas como Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Di Cavalcanti, Lima Barreto, Carlos Drummond Andrade, Rubem Braga, Paulo Mandes Campos e outros (isso para ficar só no que está gravado na capa). Prefácios são de Millôr Fernandes e Moacyr Luz. E, para você ter uma noção do nível, digo que esses “outros” que aparecem na capa não são qualquer um. Há textos ainda de Antônio Maria, Joel Silveira, João do Rio, Machado de Assis. Um time de primeiríssima. Na publicação, organizada por Gasparino Damata, o bairro da Lapa é tema de dezenas de textos.
Pois o livro é uma delícia para ser folhado pelos cariocas. E, para os turistas que pretendem visitar a cidade, um excelente aperitivo. Pode ser aberto em qualquer página, lido de trás para a frente. Ótimo para aeroportos. Pode funcionar como um guia sentimental.Ou ser apenas combustível para estimular uma visita ao Rio.
Deixo procês um trechinho do poema L.M., de Drummond:
“Villon, Verlaine e Luís
encontram-se na Lapa
A vida – essa meretriz –
tanto beija como escapa”
Eu recomendo a leitura. E, mais do que isso, uma visita à livraria Folha Seca. Depois, tome um chope no Casual, logo ao lado – acompanhado da comida muito boa servida ali a preços muito justos.Ah, sim: a Folha Seca fica na Rua do Ouvidor, 37. O telefone é 2507-7175. E o site, que há tempos está para entrar no ar (até nisso a livraria é carioquíssima) é o http://www.livrariafolhaseca.com.br. E sabe-se lá quando começam os trabalhos…

Publicado em dezembro de 2007