Aconteceu exatamente há uma semana. Para ser preciso, uma semana e uma hora.
Convidado para conhecer o novo chef do restaurante Térèze, no Hotel Santa Teresa, neste bairro simpático, e o seu menu, convoquei o meu amigo Pedro, o Mello e Souza, que também atende pela sigla PMS. Meu camarada, editor do site
Talheres, Cheguei, e das revistas Eatin’ Out e Casashopping, entre outras, e habitual colaborador do caderno Ela, d’O Globo, meu companheiro de mesa favorito, pela alegria em compartilhar as coisas boas da vida, e pelo amplo conhecimento de causa, porque poucos também sabem tanto sobre gastronomia quanto ele, que não à toa está escrevendo – trabalho de duas décadas – uma enciclopédia sobre o assunto, a maior jamais produzida neste planeta. Pedrão, como eu disse, é meu amigo, meu irmão, e até um ídolo.
Pois eu marquei o almoço para às 13h, mas pegamos um megaengarrafamento na Lagoa, mesmo no início da tarde de sábado, e levamos uma hora de Ipanema até lá. Acabamos chegando às 14h. Tarde de sol, mas com calor moderado, nem parecia novembro.
O hotel é um gay-friendly, de modo que o porteiro nos recebeu perguntando se chegávamos para o check-in, ou se tínhamos reserva no restaurante.
Era só um almoço de trabalho entre amigos.
Atravessamos o jardim tropical. Clima de festa na piscina, champanhe e música rolando, descemos as escadas e foi realmente muito gostoso, a primeira delícia daquele sábado, entrar no salão bem refrigerado.
A graciosa sommelier Livia Guerrante se encarregou do serviço, com eficiência e elegância, e beleza, o que, se não é fundamental, ao menos é sempre bom.
Ela jogou, de certo modo, na defensiva, apostando em vinhos desses que são certeiros, com um ou dois lances mais ousados, escolhendo um percurso enogastronômico equilibrado. O primeiro acerto da moça foi logo este Amalaya 2012, um branco argentino vigoroso, surpreendente corte de Riesling e Torrontés produzido nas alturas da região de Salta, que combina frescor e potência aromática, cheio de fruta, como maçã verde, e especiarias, como gengibre, uma beleza.
Foi com ele na taça que tudo começou alegremente, com o couvert que tem a grandeza da simplicidade. Cesta de pães quentinhos, tapenade e manteiga com um toque de flor de sal. Para mim, mais que suficiente para iniciar uma grande refeição.
Se o o couvert e o vinho já estavam tratando de deixar a mesa feliz, a chegada do tartare de salmão fresco, com espuma de coco e raiz forte, com molho de pimenta chipotle e guacamole apresentou muito bem as credenciais do chef francês Philippe Moulin – que assumiu a cozinha da casa, mantendo a conexão do lugar com o país. Casado com uma brasileira, ele veio do México – chegou com indicação do Claude Troisgros -, e trouxe na bagagem um tempero típico da terra da tequila.
Além da pasta temperada de abacate, e da pimenta porreta, ele espalhou brotinhos de coentro, reforçando a sua influência chicana. A espuma de coco dava leveza ao conjunto, e a pimenta emprestava a sua eletricidade, enquanto o guacamole tratava de dar untuosidade, e o aro de massa crocante dava o contraste de textura. E o vinho brilhou, arredondando isso tudo, jogando acidez na brincadeira, e a sua complexidade de sabores. Casamento perfeito, que me fez vislumbrar uma refeição brilhante, como de fato aconteceu.

Do mil folhas de foie gras com pão de especiarias, tipo terrine, coberta com fina camada de geleia de vinho do Porto e um vinagrete trufado, posso dizer que foi das melhores receitas que já provei com o fígado gordo. E aí, a Livia novamente apostou em um vinho bem ajustado à receita, mas desta vez me surpreendeu, servindo um Chandon Brut Rosé, espumante brasileiro desses que honram a nossa fama nesta categoria. Um prato cheio de sabor, rico, com texturas diferentes, contrastes… Ela tinha muitas possibilidades de escolha, e o espumante rosado, com seu frescor, sua cremosidade e corpo levemente taninoso conseguiu encarar com galhardia o foie gras, temperando a receita com sua explosão de frutas vermelhas, e limpando a boca, seguidamente, para a garfada seguinte, criando um processo gustativo cheio de nuances.
Gostei, e ainda achei bonito.
Um tartare, um foie gras e, seguindo uma trajetória segura e certeira, chegou uma lagosta. Bem, não era uma lagosta qualquer. Olha para isso. Posso dizer, foi um dos melhores pratos que comi este ano, em toda a sua simplicidade e grandeza. Foi, também, uma das melhores lagostas que já provei, grelhada à perfeição, na casca e temperada com sal grosso, como deve ser, com um lado tostadinho, e o outro quase cru, criando diferentes camadas de sabor. Comeria umas 15 dessas. Talvez 20. Ao lado, uma cumbuquinha com risoto de moqueca, e um molho “beurre blanc” jogando o sabor às alturas, me fazendo lembrar o ditado inglês: “Everything gets better with butter”.

Sim, tudo fica melhor com manteiga. E, neste caso, ficou ainda melhor, mas muito melhor, por conta do vinho servido, o Pouilly-Fumé Mademoseille de T 2011, um lindo Sauvignon Blanc “du Château de Tracy”, mineral, cítrico, profundo, transformando a lagosta em algo ainda mais divino. Pensei até em encomendar uma missa de ação de graças em homenagem à dupla lagosta-vinho. Fez por merecer o louvor.

Pois, como dizia, o cardápio tem raízes clássicas, seguindo um percurso impecável. Assim, o que poderíamos ter na próxima etapa que não um cordeiro? Pois, sim, foram as suas costeletas que chegaram à mesa. O prato, chamado “churrasco de cordeiro” tinha aqueles bifinhos colados ao osso, em crosta de castanha, com molho de pimenta verde e menta, polenta branca e batata-doce picante, novamente trazendo influências apimentadas do México, em comunhão com o tradicional corte francófilo do carneiro bebê, de carne saborosa e delicada. Novamente, o ponto de cozimento da carne, como acontecera com a lagosta, chamou a atenção. Miolo rosadinho, suculento, como manda a regra. Foi um delírio.

Porque o churrasco de cordeiro foi elevado à condição de sensacional não apenas pelo ponto e qualidade da carne, mas também pelo vinho escolhido. Rhône, e a Shiraz, de uma maneira geral, são a mais perfeita companhia para churrascos, de uma maneira geral, e para o cordeiro, de modo mais específico. Então, um belo cordeiro no prato, com um lindo Rhône da taça, no caso o Jean-Luc Colombo Les Abeilles 2011, um Côtes do Rhône que é garantia de felicidade plena e absoluta.
Foi uma alegria.
Fazendo um resumo rápido do almoço: todos os pratos estavam muito bons, e os vinhos escolhidos realçaram cada receita, sem se sobrepor ou se intimidar, criando um resultado delicioso. Se eu tiver que pensar em uma refeição perfeita, essa certamente está entre elas. Um circuito com quatro pratos, com perfil clássico, explorando ingredientes de caráter distinto, numa sequência de tirar o fôlego. Foi assim, sob esse entusiasmo, que nasceu a ideia, que pretendemos repetir outras vezes.
– Pedrão, porque não combinamos de escrever um post cada um, e publicarmos juntos? Vamos armar de fazer isso?
Aí, assim, acertamos de publicar hoje, sábado, às 13h. O meu está aqui, o post do Pedro está lá no
Talheres, Cheguei (para ler, clique aqui
neste link).

Ao final, o chef veio até a mesa, para saber como foi. Não contive o meu entusiasmo, mas desconfio que Philippe Moulin não tenha conseguido, mesmo com meu discurso elogioso, entender o quanto eu gostei do almoço. E a mesma ideia tenho a respeito do trabalho da Livia, que deu suporte à altura à cozinha. Gosto de chefs criativos, de receitas inovadoras, da cozinha ultracontemporânea. Mas, para mim, felicidade à mesa é muito mais isso, um cardápio de base clássica, com poucas intervenções inteligentes, deixando os ingredientes se mostrarem. A comida como ela é. Essa foi uma das grandes refeições do ano, e se tem uma coisa da qual não posso me queixar é dos restaurantes que frequentei neste 2013 que está terminando (ainda bem). E esse almoço no Térèze, pela qualidade da comida, pelos vinhos servidos, pela companhia à mesa, e pelo sol brilhando lindamente lá fora, foi um dos melhores.

E eu já tinha isso em mente quando chegou a sobremesa, uma composição de cupuaçu, com uma infusão de capim-limão do jardim, com um toquezinho de cachaça, dando aquele temperinho brasileiro ao final. Um doce pouco doce, como eu prefiro.
Veio o café. E uns macarons de chocolate a acompanhar.
E, na hora de ir embora, ainda dei de cara com esta obra de arte, feita em conjunto por homem e natureza. Como, pensando bem, uma grande refeição. A Natureza entrega os ingredientes. O chef, o enólogo e o sommelier tratam de transformam essa matéria-prima em algo sublime.
Bravo!!!!
Valeu, meu amigo Pedro.
Obrigado, Livia Guerrante.
Merci, Philippe Moulin.
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