Em novembro de 2012 o mundo da gastronomia peruana teve uma grande perda. O jovem chef Ivan Kisic, então com 35 anos, morreu em um grave acidente de automóvel, ao lado de outros três cozinheiros. Com uma carreira promissora pela frente, Ivan era dos um mais celebrados novos talentos do país, e como “embaixador da marca Peru” viajou o mundo para promover a cultura culinária local, representando oficialmente sua nação.
Naquela altura estava em gestação na cabeça do chef o projeto de um restaurante em Lima, com cardápio autoral explorando as tradições da gastronomia peruana. Com a morte inesperada do chef, ao menos o seu sonho continua vivo. Seu irmão, Franco Kisic, que vivia em Barcelona, onde era dono do restaurante nikkei Pakta, em parceria com ninguém menos que os irmãos Adriá, voltou à sua terra natal para dar continuidade ao projeto fraterno. E assim nasceu o restaurante Ivan Kisic, ou simplesmente IK.
Eu não conhecia a trágica história, e por isso o IK foi a maior surpresa da viagem. Fomos até lá só para dar uma espiada e beber um drinque, para depois irmos jantar um franguinho assado no Pardo’s Chicken (é o post de amanhã). Mas fomos ficando, ficando, comendo, comendo, bebendo, bebendo…
Não tínhamos reserva, então nos restou um lugar no bar, que fica em uma espécie de porão, e talvez seja o lugar mais legal do restaurante (o salão não muito grande é bem simpático, mas eu curti mais o ambiente do bar).
Ali soube da história da morte do chef, o que inevitavelmente dá ao restaurante um caráter único. Existem muitos restaurantes no mundo com nome de chef falecido. Desde o Bernard Loiseau, hoje tocado pela viúva; até homenagens, como era o Carême de Flávia Quaresma. Mas restaurante batizado com nome de chef assim, em homenagem ao cara que concebeu o lugar mas não teve a oportunidade de inaugurá-lo, eu nunca tinha visto. É mesmo uma história tocante. E quando entra emoção na jogada, a comida sempre fica mais interessante. Foi o que aconteceu. Saí do Ik convicto que este é um dos melhores restaurantes da cidade, e pelo conjunto da obra talvez seja o mais imperdível de todos, no momento.
Os drinques são ótimos, e sempre com linda apresentação. O barman faz certos malabarismos, inventa drinques na hora, e supera a sua nítida timidez preparando receitas certeiras.
Eu pedi uma que levava cerveja artesanal peruana, que ganhava toques de cítricos, pisco (acho) e se transformava em bebida suculenta e refrescante.
Na mesa iam rolando drinques, e a cultura da coquetelaria vive hoje um momento incrível em Lima,..
… com um monte de gente jovem trabalhando por detrás dos balcões, criando coquetéis que exploram as frutas locais, o pisco, e que também recriam clássicos.
Saca só.
Esse daí por exemplo tinha duas texturas, e sabores também contrastantes, com café em contraponto a sabores cítricos.
O amuse bouche foi mesmo divertido. Um ceviche em porção “finger food”, em colherzinha para ser levada à boca. Tão bom que isso se tornava o seu único defeito: era uma porção para cada um, e eu queria pelo menos umas 10…
Reparou no milho que está na foto? São milhos de verdade, de várias cores, em espigas ou debulhados, que aparecem sob o tampo de vidro das mesas, em uma ótima sacada decorativa (e a arquitetura é um dos pontos interessantes dos restaurantes peruanos, como acho que percebemos pelas fotos dessa série de post, e o desenho das louças, e a apresentação das receitas, com a montagem cuidadosa dos pratos, é um traço sedutor da cozinha peruana atual: a comida é bonita, os lugares são bonitos, com ingredientes e ambientes de caráter muito particular).
O amuse bouche, na verdade, era em duas etapas. A segunda foi esta simpática cestinha aí, que carregava gostosas batatinhas com iogurte e erva.
O polvo vinha fatiado, depois de ser salteado em azeite e páprica. As azeitonas eram estrelas coadjuvantes de relevo no prato. Literalmente. As pretas apareciam em forma de creme, que parecia até parte da louça, e também em traje “molecular”, como esfera daquelas que explodem na boca, técnica usada também nas olivas verdes.
O ceviche era chamado de amazônico, e surgia de modo bem diferente. Servido em folha de bananeira, era morno, e tinha pedaços de banana, o que dava um caráter mais frutado e tendendo ao doce do que o cítrico convencional da receita fria, a mais famosa.
Isso aí eram pedacinhos de molleja, uma entrada simples e genial, com a carne untuosa e bem grelhada encontrando nas batatinhas fritas a crocância necessária para quebrar uma possível monotonia. Havia ainda a cremosidade de um purê de batata amarela, e uma espécie de vinagrete dava profundidade ao conjunto.
Não saímos com fome propriamente, mas honramos o compromisso de irmos pro Pardos Chicken, provar o famoso frango assado, prato típico de Lima, encontrado por toda a cidade em versões variadas. Mas isso é tema do post de amanhã (para ler o post, clique aqui).
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