A área de Río Negro representa a tradição vitivinícola da Patagônia. A Humberto Canale está por lá desde 1909, produzindo vinhos e frutas, como pera e maçã, durante todo esse período. É nesta zona que estão plantados vinhedos antigos, como os da bodega Chacra. Neuquén, ao contrário, representa o novo. Uma família dedicada aos negócios imobiliários encontrou no vinho uma grande oportunidade. Compraram uma grande extensão de terra, lotearam o terreno, plantaram algumas vinhas, e venderam. Quase um condomínio de bodegas.
Venderam todos os terrenos, exceto um, onde funciona a Bodega del Fin del Mundo, a maior da Patagônia. Trata-se de uma gigante que responde por cerca de 50% da produção da região, isso considerando ainda o volume da NQN, que ocupa um terreno que foi vendido, e depois recomprada pelos donos da Bodega del Fin del Mundo.
Outra das bodegas que integram este grande projeto é a Família Schroeder, que faz vinhos interessantes, e convida os turistas a uma visita, com uma boa estrutura de receptivo, incluindo um restaurante muito bom, com vista para os vinhedos, obras de arte, lojinha e até uma pequena mostra, relacionada ao esqueleto de dinossauro encontrado ali, durante a construção da vinícola.
É uma linda bodega, que bem representa a nova geração de vinícolas, que há cerca de 15 anos começaram a ocupar esta grande área em Neuquén, num empreendimento imobiliário vitivinícola.
Para chegar até lá, cruzamos o rio Limay, num ponto de belo visual, onde ele forma uma represa.
Um dos compradores foi justamente a família Schroeder, que ergueu ali uma linda bodega, integrada à paisagem, e com boa estrutura de visitação. Gentilmente, hastearam a bandeira do Brasil.
Um dia alguém me disse que uva para vinho não é boa de se comer. Sujeito doido esse, e sempre me lembro dessa história quando visito uma plantação carregada, e eu vou experimentando uns cachinhos. Delícia. Ao dedilhar esses Malbecs maduros, expostos ao sol, com a casca quente e a polpa suculenta e fresca, sensação marcada pelo encontro entre acidez e açúcar, e o suave amargor dos taninos.
A visita guiada tem bossas como uma exposição de arte, com artistas locais, que está sempre mudando, e uma barricas pintadas.
Há uma área ampla, que recebe essas exposições.
Com barricas variadas, algumas com tampa de vidro, para se observar o líquido. Mas, não, esses vinhos não são usados, são apenas para exibição, garantem.
E a atração mais particular de todas é uma sala, onde foi encontrado o esqueleto de um dinossauro com 75 milhões de anos. As peças verdadeiras foram removidas para estudos e exposição, mas foram colocadas réplicas, mostrando como era o local, com painéis que contam a história da descoberta do…
… Panamericansaurus Schroederi, que foi batizado em homenagem à família.
Este corredor dá acesso á lojinha, e nele estão guardadas as garrafas que formam a coleção de vinhos da casa.
Por fim, o restaurante, que tem linda vista para os vinhedos, e uma cozinha que justifica a visita. Comi um prato de cabrito inecreditavelmente delicioso, com um “lomito” na brasa que deixou saudades (foi este o melhor pedaço de cabrito que já comi, com a carne delicada, com sabor bem marcante). Mas eu deixo o almoço para o final, seguindo a ordem cronológica da visita.
Os vinhos são atraentes. E a sua linha de entrada, livre de madeira, pura fruta, e com preços mais acessíveis, são altamente confiáveis, ótima escolha pelo que custam.
A linha é ampla. Fomos degustando os vinhos por cepas. Foram muitos, formando uma belo painel da produção da casa. Primeiro, a linha de Sauvignon Blanc. Depois, Chardonnay. Todos da linha Saurus. O Sauvignon Blanc Saurus 2014 tinha pomelo e pimenta branca, pura fruta e frescor. Já o Sauvignon Blanc Saurus Select 2014 era muito perfumado, com um toquezinho de madeira, com notas de abacaxi, aspargo e um final agradável. Os dois exemplares de Chardonnay, também da linha Saurus, e ambos de 2014, era suculentos.
Em seguida, Pinot Noir. O Pinot Noir Saurus 2014 era muito seco, picante, e com sabor de cereja negra. No Pinot Noir Barrel Fermented 2013, nesta linha que tem fermentação em barrica, como indica o nome, era floral, apimentado, com notas de rosas e cerejas frescas.
A próxima uva era a Malbec. Na linha de Malbec, com quatro exemplares, mais me chamou a atenção o Saurus 2014, limpo, sem madeira, fruta, fruta, fruta. O Select 2013 era bem condimentado. E o Barrel Fermented apresentava aromas florais, e um certo tostado, algo caramelado, com notas de café e chocolate, picante, e com bom volume de boca. E o S-Malbec era o mais parecido com os exemplares de Mendoza, rígido, concentrado, e com uma pouco mais de madeira do que eu gostaria.
Eu, que já vinha investigando as virtude da Merlot patagônica apreciei o trio produzido com ela (esta uva não tem o Barrel Selection). O Saurus tinha a franqueza da uva, as frutas frescas se exibindo, amaparadas por uma textura fina, sedosa e ligeira. Um vinho direto, fácil, seguro. Outro que me marcou, minha escolha para levarmos à mesa, foi o S-Merlot 2011, com aquela textura aveludada, baunilha, não chegando a ser enjoativa. Um vinho vigoroso, mas com agradável frescor.
Foi então a vez do Cabernet Sauvignon.
Fechando o ciclo, um corte de Pinot com Malbec, uma representando a Patagônia especificamente, a principal uva local, outra em nome da Argentina, a uva tinta nacional.
Gostamos muito dos três espumantes da casa, provados ao final da degustação, e levados à mesa.
Eram eles, da esquerda para a direita: o Brut Nature (rosadinho, muito bom), o Rosa de Los Vientos (um rosado quase tinto, mas com frescor e delicadeza) e o Saurus Extra Brut.
Meu preferido? O Brut Nature, claro. Repare que linda a sua cor. Era fino e delicado, com puro sabor de maçã vermelha, umas notas florais, rosáceas.
O almoço foi inaugurado com um amuse bouche bem divertido, uma torradinha com pastinha de truta patagônica e um toque de beterraba.
Depois, teve um pout-pourri de entradas. Lagostins patagônicos defumados com creme ácido e abacate; prensado de coelho com pimentão assado, purê de damasco e aioli; tentáculos de polvo marinados e truta da Cordilheira confitada sobre salada de quinua andina e folhas baby.
E seguindo a recomendação de minha guia, pedi o cabrito em dois cozimentos. Um filezinho não menos que excepcional, e uma paleta desfiada. O “lomito de chivito” estava sensacional, chamuscado na brasa, com os sabores defumados da lenha, e uma maciez inacreditável, e uma delicadeza de sabor inesperada.
A sobremesa, assim como a entrada, foi um apanhado do menu. Louva-se aqui a qualidade da cheesecake de doce de leite, e também essa suave combinação de pêssego e suspiro, bem como um brownie com calda de frutas vermelhas.
Como os doces, provamos ainda um quarto espumante da casa, o Deseado, feito como um Asti, com fermentação direta, na garrafa, e com baixo teor alcoólico, uma belezura, quase um suquinho, perfumado, com boa acidez, agradável, levemente doce. Bem melhor que 90% dos Asti que eu conheço. Fechamos com estilo, reforçando a nossa impressão de que os espumantes estão entre os destaques da produção vinícola da Patagônia.
Quem importa é a Decanter. E deixo o link para o site da bodega.
Saímos com pressa, em direção à Bodega del Fin del Mundo, tema do post de amanhã (para ler, clique aqui). Com pressa, mas admirando os vinhedos…
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