Da horta para a (boa) mesa no Parador Lumiar: o trabalho delicado, criativo e autêntico do chef Isaias Neries

O chef orgulhoso no meio de sua horta, junto à plantação de uma prima da sálvia, conhecida por nomes como peixinho de horta ou lambarizinho, porque tem textura e sabor que remetem a peixes

O chef orgulhoso no meio de sua horta, junto à plantação de uma prima da sálvia, conhecida por nomes como peixinho de horta ou lambarizinho, porque tem textura e sabor que remetem a peixes

Uma horta com mais de 100 variedades de plantas, entre verduras, legumes, ervas, flores comestíveis e frutas, é o sonho de qualquer chef de cozinha. Pois Isaias Neries, do Parador Lumiar, neste distrito de Nova Friburgo, tem essa riqueza ao alcance das mãos, o que contribui para que o restaurante da pousada seja um dos mais atraentes do interior do estado do Rio, um dos poucos que seguem a filosofia, muito comum na Europa, de ser um hotel de campo aonde as pessoas vão para comer bem e relaxar em meio à natureza.

O risoto de raízes com cogumelo eryngui

O risoto de raízes com cogumelo eryngui

Todos os anos, entre outubro e novembro, ele muda o cardápio, que também sempre ganha novas receitas ocasionalmente, de acordo com a sazonalidade dos produtos, com a oferta da horta. O novo menu, imperdível, entrou em cartaz no dia 16 de novembro, apresentando receitas temperadas por boas doses de criatividade, como o crostini de açaí com queijo de cabra, surubim e tomatinhos marinados ao azeite de vique (esta é uma plantinha que é a base do Vick Vaporub e que dá um toque refrescante aos pratos) e o risoto de raízes com cogumelo eryngui, entre outras boas novas (no final do post eu coloco todos os pratos do novo cardápio).
— O Isaias é um dos chefs mais queridos do Rio de Janeiro, e não há quem o conheça e não goste dele. É uma referência em profissionalismo, carisma e competência. Admiro demais a trajetória dele, a humildade, as convicções e a maneira como ele enxerga a cozinha e o nosso ofício. Ainda não tive a chance de visitá-lo no hotel, mas sei que tem uma horta todinha pra ele, o que me deixa com mais vontade de realizar esse desejo rápido — conta a chef Roberta Sudbrack, uma das tantas fãs da cozinha do chef.

O delicioso risoto de chuchu com capim-limão e lâminas de amêndoas

O delicioso risoto de chuchu com capim-limão e lâminas de amêndoas

No Parador há oito anos, Isaias — que foi sous-chef de Flavia Quaresma, no Carême — combina técnica apurada na cozinha com muita intuição, montando pratos com base clássica mas sempre com uma pitada autoral, levando a sua assinatura. Nesse novo menu encontramos pratos surpreendentes como o nhoque de batata-doce com um toque de canela ao molho cremoso de Parmigiano Reggiano. Para a sobremesa, duas receitas tradicionalmente salgadas brilham no novo cardápio: o risoto de chuchu com capim-limão e lâminas de amêndoas (delicioso) e o ravióli de avelã com banana ao molho cremoso de tomilho (idem).
— Uma das coisas mais difíceis no trabalho de um cozinheiro é encontrar os ingredientes. Aqui eu estou feliz porque tenha uma ótima matéria-prima à disposição. Além de tudo o que eu planto, tenho fornecedores locais para carne de porco, cogumelos, queijos. Assim fica realmente fácil cozinhar — conta o chef, nascido na cidade de Santo Amaro da Purificação, terra de Dona Canô e seus filhos, Caetano Veloso e Maria Bethânia.

Adultos e crianças às margens do lago: hotel nasceu com foco em casais, mas hoje recebe muitas famílias, que muitas vezes vão até lá apenas para visitar o restaurante, aberto a não hóspedes

Adultos e crianças às margens do lago: hotel nasceu com foco em casais, mas hoje recebe muitas famílias, que muitas vezes vão até lá apenas para visitar o restaurante, aberto a não hóspedes

Aos sábados é servida a feijoada, que já fez fama na região, atraindo muita gente que não está hospedada ali. Além de uma admirável seleção de saladas (nada como uma boa horta, de onde saem quase todos os ingredientes, colhidos momentos antes de serem servidos), há o bufê servido sobre o fogão a lenha que domina o salão. Um dos segredos é a variedade de carnes.
— Uso porco fresco, salgado e defumado, e tiro a gordura, buscando uma feijoada que tenha muito sabor, mas seja mais leve — revela o chef, que serve, ainda, no almoço de sábado, uma seleção de doces e compotas caseiras, como a combinação de carambola com rapadura.
Em um imenso terreno junto à entrada do hotel ele planta desde ingredientes mais comuns, como alface, alecrim, tomilho e pimenta dedo-de-moça até outros bem raros por aqui, como ruibarbo, além de ter a possibilidade de colher brotos variados. Entre as mais de 100 hortaliças na plantação orgânica, encontramos brócolis, ervilha torta, rúcula, tomate-cereja, cebola, capim-limão, endro, taioba, couve-flor, nirá, alho poró, mostarda, beterraba, rabanete e gengibre, entre outras variedades.

Resumo da ópera: hoje, o restaurante do Parador Lumiar não é simplesmente um dos melhores do interior do estado, mas está entre os grandes do Rio, considerando os da capital. É uma dessas raras cozinhas que justificam uma viagem. É um dos pouquíssimos restaurantes de hotel (aí, sim, falando dos que estão no interior) que servem uma comida de alta classe aos seus hóspedes (e não hóspedes). Ninguém conquista a admiração da Roberta Sudbrack, e de tanta gente querida e importante no meio da gastronomia carioca, à toa. Fiz ali uma das refeições mais agradáveis e surpreendentes dos últimos meses. Duas, porque ainda teve uma feijoada memorável no sábado, com um louvável bufê de saladas e outro de doces caseiros, além de uma pinga da boa. Eu sei que já estou doido para voltar.

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Agora, o novo cardápio completo.

. Crostini de açaí com queijo de cabra, surubim, tomatinhos marinados ao azeite de vique
. Nhoque de canela com batata doce, parmigiano-reggiano ao molho mi-chèvre
. Albacora sobre pirão de farinha d’àgua do Maranhão com extrato de coco e frutos do mar
. Filé sete luas sobre baião de dois e crocante de chia com tapioca
. Cocainhame com calda de cumaru
. Risoto de raízes com cogumelo eryngui
. Risoto de chuchu com capim limão e lâminas de amêndoas
. Ravióli de avelã com banana ao molho cremoso de tomilho

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 P.S. – Esta reportagem foi escrita para a edição de 14/11 da revista Boa Viagem, do jornal O Globo.

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4 Respostas to “Da horta para a (boa) mesa no Parador Lumiar: o trabalho delicado, criativo e autêntico do chef Isaias Neries”

  1. Ligia Ghizi Says:

    Nossa, Bruno! Estou encantada! Que maravilha de lugar, cardápio e essa horta fantástica! E pelo que nos conta, o chef é uma simpatia. Adorei seu post, magnificamente escrito, e que nos inspira a conhecer esse restaurante/hotel correndo!!! Parabéns por sua narrativa perfeita, e ao Isaias, pela criatividade e talento! Vou assim que puder! Estou aguando tudo descrito aqui!

  2. Abigail Q. Pereira Says:

    Bruno, fiquei encantada com você e lembrei-me da minha mãezinha fritando peixinho de horta quando eu era criança!. Já passei dos sessenta e nunca mais vi essa hortaliça. Queria saber se você pode me dar nem que seja só uma sementinha dela? Agradeço sua atenção e abraços! Abigail

  3. Abigail Q. Pereira Says:

    Minha mãezinha fazia essa hortaliça quando eu era pequena. Hoje estou com mais de sessenta anos e nunca mais vi essa planta. Você pode me dar nem que seja só uma sementinha dessa planta? Responda no meu email que te mando o meu endereço completo.

  4. - Viagem com Farofa Says:

    […] Tenho um especial apreço pelo Parador Lumiar, uma das minhas pousadas preferidas no Rio. Isso porque consegue combinar duas coisas que não encontro em nenhuma outra: uma ótima estrutura, com seus chalés bem espaçados, uma sauna boa e boa oferta de lazer, de cachoeira a passeio de cavalo, com algo que seus rivais não conseguem: ter uma cozinha de alta qualidade. Méritos do chef Isaias Neries, um dos que mais admiro, pelo talento, a criatividade, a perseverança e pelo fato de que ele cultiva uma horta incrível, de onde tira boa parte dos ingredientes que usa em sua cozinha (para ler uma reportagem sobre ele, clique aqui). […]

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