Ode ao 28

Cabrito com coradas do 28: sublime e barato

Cabrito com coradas do 28: sublime e barato

Demorou, mas encontrei um lugar capaz de substituir o Penafiel nos meus almoços no Centro. Um lugar que me fez até recuperar um pouco da minha auto-estima de carioca, em parte perdida com o fim do Penafiel. É o restaurante Pastoria, mais conhecido como 28, ali na Gamboa, sito à Rua Barão de São Félix, 28 (o telefone é 2263-2438). Além de conservar móveis antigos e ter um salão alongado, com banheiros e cozinha ao fundo, assim como o Penafiel (tinha) também tem cardápio datilografado e uma cozinha que arrebenta. E não cobram caro por isso. O clássico da casa é o cabrito com batatas coradas. Achei melhor que o do Nova Capela. Eles pegam os melhores pedaços do bicho (leia-se sempre partes com osso, agarradas e entremeadas a ele) e marinam com cebola, tomate, alho. Sabe aquele esquema de assar no próprio caldo, restando um líquido espesso, com os temperos amolecidos, a gordura diluída (para alegria das papilas e tristeza dos médicos) e o sabor impregnado? Então, é assim, com maestria rara, que o 28 serve a sua especialidade. É difícil acreditar nisso, mas podes crer, até as batatas coradas deixam imensa saudade.
O cardápio tem outras coisas que me deram muita vontade de provar e para isso voltarei com muito gosto para lá outras vezes. Mas na estréia tive que ir no clássico da casa, o cabrito. E hoje, saudoso, tive que repetir. Das próximas vezes prometo (sem muita ênfase) que tentarei experimentar o polvo à portuguesa (R$ 29), o bacalhau á espanhola (R$ 60), a carne-seca com feijão (R$ 13), o mocotó com feijão branco (R$ 12)…
Estive lá pela primeira vez na sexta. Voltei no almoço de hoje. E ambos foram momentos sublimes. Pelo ambiente à moda antiga, o serviço cortês, a comida estupenda e a Brahma Extra garrafa de 600 ml (essa cerveja é raridade hoje em dia. Mais um elemento do passado. E eu achei que ela nem existia mais).
Nas paredes, além da tabela de preços antiga e cheia de produtos extintos, como o Crush, há algumas matérias e crônicas de jornais que já haviam exaltado o 28 muito antes deste atrasado e desatento repórter. E, pior: eu lera as duas. Mas o 28 não ficou na minha memória, sabe-se lá por quais obscuras razões. Mas agora recebi recomendações que foram ordens. Um amigo que escreve sobre botecos já havia me dado a dica. Depois, aqui na caixa de comentários do blog, o Luciano Caruso também me indicou como restaurante bom e barato. Luciano, muito obrigado.
Quem passa na porta não dá um tostão pelo lugar, exceto se olhar para dentro e ver as mesas sempre lotadas com gente de todo o tipo. É fácil  notar a alegria das pessoas por comer ali. Quando estive pela primeira vez quem almoçou por lá com o grupo de amigos foi o Nelson Rodrigues Filho, com suas imensas barba e barriga que me fez o identificar de imediato. O 28 fica escondidinho num canto da Gamboa, esse bairro tão mágico e emblemático da cidade, que sempre centralizou as relações do carioca com o mar (ficava ali o famoso Cais do Valongo) viveu um século 20 abandonado. Mas de uns anos para cá, aos poucos, a vida foi renascendo ali. Na Pedra do Sal, marco primordial do samba, considerado o lugar de nascimento do mais brasileiro dos gêneros musicais, ali perto, voltaram a acontecer rodas de batucada, que foram, aliás, se espalhando pela vizinhança. Primeiro o Morro da Conceição. Até chegar às cercanias da Praça Mauá, emendando com a zona de prostituição portuária da cidade. O bloco Escravos da Mauá, e suas rodas mensais de sexta-feira, caíram nas graças da galera, a ponto de ter que transferir o seu desfile de carnaval para a manhã por causa da superlotação que marcou as últimas saídas.  Nesse embalo foram abrindo casas noturnas, como o Trapiche Gamboa. Hoje se diz que a Gamboa é a nova Lapa.
Mas o 28 atravessou 81 anos (foi inaugurado em 1927) ali naquele pedaço esquecido. O 28 não se atualizou, digamos. Que bom. Ainda pratica preços antigos (o cabrito bem servido para dois custa R$ 25), serve comida farta, e você é atendido pelo dono e sua família, que se reveza nas funções com delicadeza. É um pé-sujo, de acordo com o que se convencionou chamar isso. Tudo bem que eles não trocam a toalha a cada cliente – e é capaz de você se sentar diante de uma mancha fresquinha de feijão deixada pelo seu antecessor. Mas o banheiro, a cozinha escancarada aos olhos dos freqüentadores e todas as instalações são impecavelmente limpos, a ponto de chamar a atenção. No cardápio está escrito: “Almoços e jantares com asseio e prontidão”. Quanto ao asseio e à prontidão, é verdade absoluta. Mas a casa hoje só abre para o almoço. Quem sabe agora, com a Gamboa recuperando os seus bons tempos, o 28 não passe a abrir até mais tarde. Só espero que ninguém resolva fechar o 28. Torço para que o Belmonte e os Garotas fiquem bem longe do 28. Caso contrário, vão se ver comigo. Viu?

9 Respostas to “Ode ao 28”

  1. Dri Says:

    Maldita hora que resolvi entrar aqui no blog 12:10… Bem na hora do almoço esse cabrito me deixou AGUANDO!! Agora tenho que me comunicar com minha saladinha de almoço, que vai ficar ainda mais sem graça…

  2. Cristiano Horta Says:

    Bruno,

    Agradeço a gentileza de priorizar a “subida” deste post. Vou conferir de perto na próxima visita ao Rio.

  3. Juliana Amorim Says:

    eu também fiquei salivando por um cabritinho. fui na Flor de Coimbra e matei minha vontade!!!

  4. Índice de posts de bares e restaurantes na cidade do Rio de Janeiro « Rio de Janeiro a Dezembro Says:

    […] Também dá para navegar por subblogs ali nas abinhas laterais (Viagens cariocas, Outras viagens, Comida). 28 (ou Pastoria) […]

  5. Sambotafogo: valeu, Juarez Becoza! « Rio de Janeiro a Dezembro Says:

    […] caro leitor, tal você, lendo, eu seguia as dicas dele, revelando botecos obscuros para mim, como o 28 (ou Pastoria) e o Gracioso, ignorados até estamparem as páginas do Rio Show. (O Gracioso é o bar da foto, que […]

  6. Fernando Martins Says:

    Realmente ainda hoje comi um Polvo com batatas cozidas maravilhoso por 39 Reais , além de ser bom é barato

  7. Fadel Says:

    Frequento o 28 a muitos anos, a mais de 20 anos. Recomendo além do cabrito que é o carro chefe, o polvo com arroz e brócolis encomendado com 1ou 2 dias de antecedência e é servido à mesa na panela, feito pelo Sr. Amândio, o dono. marravilha!!

  8. Manuel Santos Says:

    Bravo !!! Desbravemos essas receitas !!! Vou la em breve !!!

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